Eles entendem de mato e de vida selvagem. De Norte a Sul, mostram como o dom de resistir a condições adversas na natureza pode ser usado para conservá-la
Motivados por concursos nas redes sociais para escolha das melhores imagens, ex-caçadores passam a valorizar os animais mantidos vivos e trabalham para conservar a floresta. “O conhecimento transmitido de pai para filho e a adrenalina de entrar na mata atrás de bichos agora se direcionam para uma finalidade nobre”, ressalta Freitas, dono de um grupo empresarial piauiense que fatura R$ 700 milhões por ano. A Nazareth Eco, reserva mantida por ele com 1,6 mil hectares, abriga espécies em extinção e uma infinidade de aves – alvo das lentes de Luiz Ribeiro da Silva, conhecido como Compadre Romão, um misto de fotógrafo e mateiro, especialista em achar o esconderijo do animal e aproximar-se dele no melhor ângulo para o click.
A iniciativa valoriza o papel de quem conhece atalhos e segredos da mata como ninguém. Sim, os mateiros são figuras cada vez mais indispensáveis a expedições científicas, levantamentos para criação de parques nacionais, ecoturismo, produção de documentários, uso de produtos da biodiversidade por indústrias e obras de infraestrutura que chegam a grotões desconhecidos. No sudoeste do Piauí, em São Raimundo Nonato, o guarda-parque João Leite trocou a vida de encrencas na cidade pelo convívio com a Caatinga. O rapaz aprendeu truques de sobrevivência na mata com ex-caçadores e hoje, como vigilante do Parque Nacional Serra da Capivara, é requisitado por cientistas para o trabalho de campo voltado para a descrição de novas espécies da fauna e flora. Seu maior feito foi a descoberta de sítios arqueológicos com pinturas rupestres que contam a história da ocupação do continente pelo homem primitivo. “Descobri um por acaso quando fazia rapel com uma bióloga para coletar fezes de roedores nas rochas”, conta Leite.
De Norte a Sul, o ofício dos mateiros vira profissão. Se no sertão de Pernambuco eles trabalham ao lado dos biólogos no resgate da fauna durante a obra dos canais da transposição do Rio São Francisco, no litoral sul da Bahia a tarefa é escalar árvores para coleta de sementes destinadas ao reflorestamento da Mata Atlântica. “São como ninjas; sabem onde andar e pisar”, compara a pesquisadora Francismeire Gomes, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, ao destacar a importância de tê-los na equipe que estuda doenças transmitidas por insetos na floresta. Eles entendem de mato e de vida selvagem. Mas também os desafiam, os subjugam e, aos poucos, o dom de enfrentar perigos e resistir a condições adversas na natureza é utilizado para conservá-la. Em Mogi das Cruzes (SP), na região do Vale do Paraíba, os irmãos Alexandre e Marcos Prado derrubavam palmeiras nativas para extrair palmito-juçara, assim como faziam os avós. Hoje a situação se inverteu. O know-how é empregado na proteção do Parque das Neblinas, da empresa Suzano. A dupla fiscaliza a área, faz reflorestamento e orienta a comunidade para obter renda com os frutos da palmeira, sem necessidade de cortá-la.
No litoral do Paraná, em Guaraqueçaba, Pedro Morais, 60 anos, mateiro velho de guerra, de tanto trabalhar com botânicos aprendeu a chamar plantas pelo nome científico. Em retribuição, ensinou-lhes um pouco do saber tradicional sobre quais frutos cada um dos diferentes pássaros come. Como resultado, a Reserva Natural do Salto Morato, mantida pelo Grupo Boticário, é hoje palco de estudo sobre os efeitos do desmatamento para a extinção das aves. Graças a esses homens, calejados como eles só, a busca pelo conhecimento sai dos gabinetes com ar condicionado e chega ao mundo real que todos queremos conservar
por SERGIO ADEODATO: Jornalista