Espécie invasora que se espalhou pelo
Brasil, o javali se adaptou às plantações de cana-de-açúcar e de eucalipto do
interior paulista e tem causado grandes prejuízos aos setores que produzem
etanol, papel e celulose. Mas se esse desequilíbrio ecológico põe em risco as
principais atividades agrícolas da região pode ser, paradoxalmente,
oportunidade para a recuperação da onça-pintada - maior predador das Américas,
hoje ameaçado de extinção.
A previsão foi resultado de pesquisa
coordenada por Luciano Verdade, professor do Centro de Energia Nuclear na
Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. Segundo
o trabalho, submetido para publicação na revista Animal Conservation, a
transformação de pastagens em canaviais e florestas de eucaliptos favoreceu a
explosão do número de javalis nessas áreas.
O estudo prevê que a abundância da
espécie invasora atrairá de volta ao interior a onça-pintada, que em São Paulo
está confinada à faixa litorânea de Mata Atlântica e ao Parque Estadual do
Morro do Diabo, no extremo oeste do Estado. Isso significa que a onça-pintada
poderá ser salva pelo mesmo fator responsável por seu declínio: as atividades
agropecuárias.
"A distribuição do javali é maior
a cada dia nas paisagens agrícolas que predominam no interior, canaviais e
florestas de eucaliptos, enquanto as onças estão nas bordas, a leste e a oeste.
Essa combinação espacial indica grande potencial de colonização dessas
paisagens pelas onças-pintadas", disse Verdade. Segundo ele, em breve, as
onças vão detectar os javalis e começarão a aparecer nas plantações.
Caso a previsão se concretize, o setor
produtivo e os gestores públicos terão de aprender a lidar com o manejo da
onça. "É muito bom que aconteça o retorno da onça-pintada, em vez de sua
extinção. Mas há um custo e um risco eventual que precisam ser previstos."
O pesquisador prevê que serão
necessárias pessoas capacitadas para gerenciar a onça-pintada na paisagem
agrícola. Mais que isso, será preciso gerar conhecimento e inovação
tecnológica. "Precisamos ser proativos, em vez de reativos. O primeiro
passo é alertar que essa é a possibilidade real, para que a sociedade discuta a
questão."
Embora a presença da onça-pintada possa
parecer assustadora para quem está próximo das áreas agrícolas, cientistas afirmam
que seu manejo adequado trará benefícios ecológicos, cujos frutos podem ser
vantajosos para o setor. O mais evidente deles será limitar o alastramento dos
javalis.
Invasor
Agressivo, de fácil adaptação e quase
sem predadores, o javali está na lista das cem piores espécies exóticas
invasoras do mundo, elaborada pela União Internacional para Conservação da
Natureza (IUCN). Considerado praga, invadiu o Brasil a partir do Uruguai, no
fim dos anos 1980.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já foram registrados
javalis no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Acre e Rondônia. O problema é tão
grave que, em 2013, o Ibama autorizou a caça do animal para manejo controlado.
O javali, com cerca de 1,30 metro de
comprimento e 80 kg, pode chegar a 250 kg quando miscigenado a porcos
domésticos. Segundo Verdade, pode causar danos até mesmo no ambiente natural,
pois costuma pisotear plântulas de árvores nativas, comer ovos de muitas aves,
acelerar o processo de erosão e transmitir doenças.
"Ele come tudo e causa prejuízos
nas plantações. É provável que só a onça-pintada seja capaz de abater um javali
adulto", disse. "Mesmo havendo caça legal e ilegal, não é suficiente
para controlar essa espécie."