quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Fundo da Mata Atlântica do Rio de Janeiro sob ameaça


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O Serviço de Guarda-Parques do INEA for treinado e equipado com recursos do FMA. Foto: Arquivo Inea
O Serviço de Guarda-Parques do INEA for treinado e equipado com recursos do Fundo da Mata Atlântica (FMA). Foto: Arquivo Inea
O Fundo da Mata Atlântica (FMA) é um engenhoso e eficiente mecanismo financeiro e operacional desenvolvido durante a gestão de Carlos Minc à frente da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro para otimizar a aplicação dos recursos da compensação ambiental estadual. Tantos e tão rápidos avanços proporcionou ao processo de criação, implantação e gestão das unidades de conservação fluminenses desde a sua criação em 2009 que, hoje, o FMA merece o reconhecimento praticamente unânime dos ambientalistas e estudiosos do tema, e é apontado como, talvez, o melhor modelo em vigor no país para aplicar a compensação ambiental ao fim a que se destina.
A despeito disso tudo, o seu funcionamento encontra-se hoje ameaçado por conta de uma decisão da 11ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, que concluiu que o destino desses recursos deveria ser o Fundo Estadual de Controle Ambiental (Fecam), o mesmo que tem tido os seus cofres raspados para mitigar a gravíssima crise financeira do estado, bancando salários e débitos com fornecedores em atraso. Mas esta ainda não é uma decisão definitiva, e há motivos para se ter esperança de que um dos poucos setores da administração estadual que não estão em colapso venha a ser também tragado pelo caos reinante, com grave e irreversível prejuízo para a biodiversidade fluminense.
Em 2007, as UCs estaduais do Rio de Janeiro e o seu órgão gestor à época, o Instituto Estadual de Florestas, encontravam-se num estado de completa indigência, sem recursos humanos e materiais para investir e geri-las adequadamente. Havia, no entanto, a perspectiva de ingresso de um volume muito grande de dinheiro decorrente dos processos de licenciamento ambiental estaduais, mas nenhuma ideia de como utilizá-los de forma eficiente, sem os entraves costumeiros da administração pública e sem o risco desse precioso recurso ser contingenciado ou desviado para outras finalidades que não as unidades de conservação.
Sede, alojamentos e centro de visitantes da Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba, construídos com recursos do FMA. Foto: André Ilha
Sede, alojamentos e centro de visitantes da Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba, construídos com recursos do FMA. Foto: André Ilha
"(...)pela primeira vez na história procedeu-se à regularização fundiária das UCs estaduais; sedes, alojamentos de guarda-parques e pesquisadores, guaritas, cercas, centros de visitantes etc. foram projetados e construídos em rápida sucessão"
Em vista disso, vislumbrou-se a possibilidade de se criar no Rio de Janeiro um mecanismo inspirado no bem-sucedido projeto Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia), que beneficiou dezenas de UCs naquele bioma. O Fundo da Mata Atlântica foi todo construído com rigorosa observância à legislação, com amparo da Procuradoria Geral do Estado, porém valendo-se de um olhar inovador, com base na natureza privada desses recursos, atestada por diversos tribunais de contas no país e pelo próprio TCU. Seu primeiro operador foi o Funbio, única entidade com a expertise para tal, adquirida com a exitosa operação do projeto Arpa e de outros de menor monta Brasil afora.
O FMA, na verdade não é um fundo na acepção jurídica do termo: esse é apenas um apelido, um nome fantasia para um conjunto de contas individuais de empreendedores privados obrigados a destinar uma quantia estipulada no processo de licenciamento ambiental para “apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral”, conforme consta na lei. Por serem essas contas administradas em conjunto, isso resultou num extraordinário ganho de escala e uniformidade, e emprestou uma eficiência privada à gestão desses recursos e um resultado financeiro adicional que não apenas cobre toda a gestão do mecanismo, mas, também, proporciona um superávit que é reaplicado nas UCs estaduais, federais, municipais e RPPNs por eles contempladas. O controle é rigorosamente feito mediante um sistema informatizado integrado, que resulta em uma transparência sem paralelo, que colocou o RJ no topo do quesito "visibilidade e transparência na aplicação da compensação ambiental" em um amplo estudo feito em todo o Brasil pela organização The Nature Conservancy (TNC), incluído aí o sistema federal de UCs.
Assim, pela primeira vez na história procedeu-se à regularização fundiária das UCs estaduais; sedes, alojamentos de guarda-parques e pesquisadores, guaritas, cercas, centros de visitantes etc. foram projetados e construídos em rápida sucessão; um Serviço de Guarda-Parques comme il faut foi devidamente treinado e equipado; um bem montado Serviço de RPPNs analisou em tempo recorde dezenas de pedidos, ampliando bastante a área protegida do estado; os planos de manejo da maior parte das UCs estaduais foi elaborado; e muito mais.
Os veículos do Serviço de Guarda-Parques do INEA foram adquiridos com recursos do FMA. Foto: André Ilha
Os veículos do Serviço de Guarda-Parques do INEA foram adquiridos com recursos do FMA. Foto: André Ilha
Se a novidade e o sucesso dessa iniciativa motivaram inúmeras manifestações de admiração e apoio, por outro lado também geraram, junto aos desavisados ou mal-intencionados, manifestações de suspeita e críticas infundadas. Isso era previsível, pois nenhum grande avanço se dá sem resistência, mas o FMA continuava a prestar mais e melhores serviços até que um promotor de Justiça da Região dos Lagos fluminense, recusando convites para conhecer mais profundamente o mecanismo e sem se importar onde residia o interesse público primário (no caso, o mais eficiente modelo de criação, implantação e gestão de UCs em todo o país), entrou com uma ação civil pública para detonar todo o sistema, tomando como gancho um projeto local por ele apoiado.
Derrotada a sua tese fragorosamente na primeira instância, outros promotores apresentaram recurso à decisão inicial, o que levou à polêmica decisão da 11ª Câmara Cível, que por sua vez já foi também contestada pelos réus (governo do RJ, Inea e Funbio) e possivelmente seguirá para novo e definitivo julgamento no STJ.
A subsede Realengo do Parque Estadual da Pedra Branca foi construída e ampliada via FMA. Foto: André Ilha
A subsede Realengo do Parque Estadual da Pedra Branca foi construída e ampliada via FMA. Foto: André Ilha
Mas, teses jurídicas à parte, e considerando que o FMA ofereceu de fato a melhor resposta prática para o problema da aplicação da compensação ambiental em benefício das unidades de conservação, sempre tão abandonadas e maltratadas pelos governos, um grupo de entidades ambientalistas, capitaneadas pela Rede de ONGs da Mata Atlântica e pelo Grupo Ação Ecológica, ingressou com requerimento para que o caso venha a ser objeto de mediação pelo próprio Tribunal de Justiça. O objetivo do pedido é que o FMA venha a ser reanalisado em todas as suas dimensões de forma franca e direta, e não apenas no plano puramente conceitual do Direito (onde, de qualquer forma, é matéria ainda muito controversa), para que todas as partes envolvidas – acusador, réus e autoridade julgadora – concluam juntas onde realmente reside o interesse público na questão.
Estamos confiantes de que prevalecerá o bom-senso, e que nem por um momento será negado às unidades de conservação do Rio de Janeiro o acesso ágil, seguro e transparente aos recursos da compensação ambiental, evitando que sejam elas também lançadas ao turbilhão que está engolindo e triturando as demais instituições estaduais nesse momento.
Por André Ilha